segunda-feira, 16 de agosto de 2010

[subterfúgio dos provérbios]

Arlete corria na pista e comia pelas beiradas. Aturdida pelo vôo de um pombo seguiu-o com o olhar, picotando um céu de curto prazo. Garimpava qualquer coisa minimamente parecida com um brechó (ou bordel) que encontrasse pela frente. Admirava com certo gosto pela excentricidade todos os séculos de tradição.

De frente à Basílica de São Pedro olhava para o céu e imaginava um Jesus gigantesco. Criando um universo de fantasia enquanto contempla sua fazendinha de formigas.

Arlete mordeu os lábios de prazer.

Era uma tarde fria, contudo o movimento contínuo e a multidão de jovens aspirantes e senhoras católicas lamurientas transformava esta num bloco interminável de CO² que lhe empurrava os flancos. Tomou e deu incontáveis esbarrões, eventualmente sentia-se tentada a impostar-se nos calcanhares e derrubar o maior número possível de oponentes.

[prelúdio da guerra-santa]

Algo movia-se embaixo de seu pé, como um bichinho de porco abrindo espaço na pele do hospedeiro na busca de um arco-íris de uma bonança carnal. Este era o pé do alemão nodoso. Bem... as outras características do alemão podemos deduzir...

[interlúdio litúrgico]

Alzira coordenava o grupo de jovens da igreja e cheirava as roupas de toda a família. As campanhas iam bem, fraternidade, casamento com deus, agasalho e a tocha catequética. Trabalhava como educadora numa creche e advertia as crianças sobre a perversidade do racismo. Na alcova de seus sentimentos podia sentir uma luz e um sentido de bem-aventurança que lhe surgia de imediato. Os ícones da santíssima trindade brilhando em seu horizonte de delírios celestiais. E não se envergonhava, ou melhor, sentia-se privilegiada ao descrever para o resto da sociedade civil a gama de possibilidades e deleites que a assepsia espiritual era capaz de propiciar. E jamais se esquecendo da cereja do bolo: o dia do arrebatamento.

[prelúdio do declínio do império]

Naquela noite fazia um frio nocivo. Arlete teve de voltar andando para o albergue, o que não fazia muita diferença afinal ela estava sempre a pé mesmo. Estava já há duas horas procurando sem sucesso um banheiro público.

Normalmente ela não se revoltava tanto com as pessoas, mas de súbito lhe veio a mente as imagens do dia, o jesusgrandão e principalmente o italiano do cento e quinze quilos que puxava a esposa igualmente grande pelo cotovelo enquanto revirava a língua na boca como se quisesse expulsar uma bolinha de vísceras.

Arlete orgulhosamente tinha ímpetos.

Posicionou-se, não estrategicamente, mas propositalmente em frente a janela de molduras torneadas em ouro. Agachou-se enquanto dava o mesmo destino as suas calças.

E como uma rainha: mijou.

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