domingo, 30 de março de 2008

[interlúdios de Roxelle]

Acordar... Dormir...E... De repente Roxelle acordou. Não se sabe do que. Talvez do grande sonho que é a vida. Quem sabe... Deitada ali com a luz acesa. Uma aparente desimportância e falta de interesse. Em frente ao mundo. A faz refletir, da forma mais estranha e subjetiva que ela já vira. Afinal o que ela estava fazendo ali? Nem ela, nem ninguém sabia explicar. Era apenas aquela sensação de deslocamento de espírito. Que ela esperava que todas as pessoas sentissem. Ao menos uma vez na vida. Era irracional. Um estranho sentimento com cheiro de incenso. Que tomava conta de todo o quarto. Um nó na garganta que parecia estar ali toda sua vida. Alias mais que vida. Toda existência daquele aparente eterno espírito. Nó na garganta. Às vezes apenas disfarçado por todas as sagradas distrações do mundo comum. Felizmente às vezes as distrações não eram suficientes. Um exemplo claro estava ali. O rádio baixo já não fazia mais diferença alguma. O que ela deveria fazer? Calar-se. Ou não. Cuidar mais daquele corpo ele parecia tão medíocre em comparação ao seu espírito, em seu espírito tão desnecessário em relação ao universo. O que poderia significar um corpo. Para abrigar seu espírito. Enquanto as estralas brilhassem. Ela pediria para alguém. Desligar sua tomada. Mas não adiantaria. Ela pensou em fumar um cigarro, e tomar um copo de vinho. Reforçaria seu pequeno êxtase individual... O quarto que antes estava meio abafado, agora estava mais confortável com o final da tarde. O sol havia se posto. E o vento começava a soprar os galhos secos que ficavam perto de sua janela. Isso pareceu trazer oxigênio à sua alma. Adormecer... Despertar... Adormecer, o ar está pesado. Dá pra senti-lo pressionando os ombros para baixo. Forte cheiro de amêndoas, incenso, canela... Agora. Já não é só o cheiro. Atmosfera amarelo, avermelhada. Torres de castelos feitas em tijolos de barro. Mesmo altas seus pisos estão a altura do olhar. Arvore seca. Grama curta. Formigas. Pássaros pretos riscam o céu. Contudo o sol não brilha. O coração bate num ritmo frenético e descompassado... Ela começa a chorar. Chorar da louca possibilidade do nada. Chorar da cruel inevitabilidade do tudo. Isso mesmo... O tudo... Ela é insignificante, o nada o tudo, ela perdera seus membros. Do que servem membros do que serve a mente, afinal. É tudo inevitável!... E, o que resta a ela? O consolo do presente. De repente ela para. À beira do abismo. O céu é cinza. Velho homem negro telepaticamente a chama... – Vê a infância... – Aos poucos tudo se acalma.

sexta-feira, 28 de março de 2008

[subterfúgios da arte]

São Paulo 20 de janeiro de 2007.

O centro velho é uma anti-aventura desesperadora, cheia de charme, elegância e duende. O caos da vida fudida. Mas acima de tudo: vivida. Lugar frio e... mesmo assim; quente.
Lar de Madame Arlete [gosto de chamá-la assim] é uma interessante figura que oscila entre o hippie e o pós-moderno. Costuma me chamar de Pablito. Ela é proprietária de um fantástico sebo/antiquário. Tenho o hábito de visitá-la às vezes e degustar em sua companhia um de seus licores. Da ultima vez levei para ela uma garrafa de pisco que meu tio Perez trouxe do Peru.

– Salve, salve Madame Arlete, como vai essa delícia balzaquiana de ventre moreno?
– Olá Hermano Pablito... o que será hoje... vodka ou sexo selvagem?
– Pisco – ergui a garrafa.
– Oh... louvados sejam os deuses pagãos! Entre criança.

A acompanhei até uma mesa de centro cercada por duas cadeiras. O antiquário estava mais repleto que nunca. Me sentei e servi licor para nós dois, quando vi no chão e apoiado na parede o objeto que me despertou.

– Que foi? Viu um gnomo? – disse Arlete.
– É uma reprodução de “Ao Sair do Banho” de Edgar Degas.
– Ah. Sim é. Caso queira pode levar. Para mim, apenas a Art-Nouveau tem valor.

Após me servir de mais um pouco de pisco deixei com ela a garrafa e levei o Degas para o meu apartamento. Quem assinava a reprodução era um tal N. Santos. Pendurei a tela na parede do quarto em frente a cama.
A tarde estava quente, me sentei na beirada da cama e tirei a camisa. Fiquei por não sei quanto tempo observando o quadro. Senti fome, tomei um banho, troquei de roupa e sai.


[subterfúgios aromáticos]

Estava encostado no balcão enquanto o chapeiro terminava de fazer as panquecas. Eu pretendia come-las ali mesmo. Cheiro bom no ar. Cítrico. Não percebi quando Akemi encostou do meu lado.

– Fugindo das antigas amizades Santana?
– Oh... jamais. Inclusive eu estava pensando em você hoje.
– Ah é! E a que circunstância especial se deve a honra?
– Ha saída do banho, ora...
– Cafajeste!
– Isto não é uma critica? Ou é? Por que se você não entende eu posso explicar...
– A sim... você me leva pro seu apartamento, me come e está explicado né?
– Calma paixão relaxa... está vendo no que dá ser esta mulher abismo... sempre derruba os outros e é divertido, mas se não prestar atenção você mesma pode cair...vem comigo... prometo que não te toco, e você sabe que é verdade – concordou com a cabeça – hei amigo, pode embrulhar a comida pra viajem.
– Ah quer saber... você esta certo. Vamos. Mas nem pense em perguntar o que me estremeceu. Ok.

Hoje minha sala estava um pouco mais quente que nos outros dias da semana. Fomos entrando Akemi tirou o casaco que já estava sufocando-a um pouco e sentou-se na única poltrona da sala. Gostei de sua atitude. Fui para a cozinha pegar dois pratos talheres e duas cervejas. Quando voltei a vi perdida em pensamentos. Despertei novamente sua atenção com um disco que coloquei: Billie Holiday – alive. Comemos. Ficamos sentados conversando sobre nossas sagradas casualidades e bebendo. Creio com mais convicção em deuses que sabem beber e dançar. Nos deixamos levar pelos devaneios até esquecermos do tempo.


[subterfúgios vermelhos]

Quando despertei, já nem imaginava que horas eram, e nem me interessei a olhar. Eu estava deitado de bermuda na cama. Akemi estava meio deitada por cima de mim, abraçada ao meu corpo. Antes que ela percebesse que eu havia acordado, procurei me lembrar do que acontecera. Comida, cerveja, vinho, cigarros, incenso... amor. De uma noite, infernizante.

– Bem vindo ao mundo querido...
– ...
– Sinto-me tentada a exclamar: que vida!
– Pois é, eu que o diga...
– Para onde vamos?
– Não sei. Só sei onde estamos.

Peguei a luminária que ficava encima do criado e apontei a fraca luz avermelhada para a tela na parede. Ela seguiu a luz com os olhos. Em silêncio. As vezes penso que tudo que é bom deve ser feito em silêncio... alarde para quê? Apoiei a luminária na cama logo abaixo dos meus pés. E mais uma vez a abracei. Ela ficou curiosa com um vulto novo na parede, pegou a luminária e apontou para o Degas na parede.

– Qual o significado – me perguntou.
– É simplesmente: você, eu e tudo mais que quisermos que seja. É uma imagem linda não? Alias não só linda. É difícil encontrar adjetivos, acho que pro isso a coloquei aqui...
– Não ela colocou você ai. Você não a controla. Disse que eu sou ela e, quer saber... concordo que seja.
– ...
– Infernal.
– Todos os vapores do paraíso. Agora entende o que eu te falei daquela vez: o céu e o inferno são aqui – coloquei minha mão em seu peito e aproximei o meu corpo dela, para que os corações batessem juntos. Ela amoleceu.
– Oh. Por que deus permite que coisas morram – ela perguntou. Não foi retórica.
– Todos os vapores do paraíso: o céu e o inferno são aqui....

quarta-feira, 26 de março de 2008

[suterfúgio após]

Mais que uma fuga um subterfúgio é algo que não podemos realmente afirmar...
Talvez amantes, talvez passeantes.
Mas somos sim... pessoas cansadas de tanta bobeira fútil.
Quero gozos entardecidos e mal explicados.
Algumas renuncias faremos, mas com certeza sem pudor de gente besta.
Sem mágoa fictícia de uma freira ferida.
Sem a bobagem de estarmos nas convenções.
Estaremos por aqui e por ali...

Milla Charm

terça-feira, 25 de março de 2008

[subterfúgio primário]

Senhoras e senhores, lhes apresentamos aqui, o manifesto sobre o qual destrincharemos nossos subterfúgios.

I. Somos certamente amigos – amantes – dependendo do ponto de vista. Sinceridade cardíaca a amigos e presenças indiscretas.

II. Viemos aqui marcar as paredes deste mundo enfermo – controvertido – com a fumaça perfumada que exala do candeeiro e nossas existências.

III. Profanar, perverter e amar.

IV. Somos o fogo que queima a lona do circo. Vemos o circo queimar. Queima, queima, queima... Saem correndo ao mundo, todas a incoerências que jazem ali, abraçam seus semelhantes covardes. Lambem seus rostos no calor da tarde e gozam no frio da noite. Por fim, quando se percebe: a sedução está consumada.