domingo, 15 de agosto de 2010

[subterfúgio do motivo]

Eventualmente Roxelle se dissolvia. Virava uma TV cujo canal era incessantemente trocado. Convertia-se em uma personagem maria-qualquer da novela das seis, ignorando as teorias da conspiração e transformando-se num existencialismo puro.

Seu tronco ergueu-se da lama marrom dos sonhos. Era seu nascimento para mais nova e familiar de todas as realidades. Havia tantas folhas de tabaco, que as da superfície, sequer estavam pegajosas.

Naquela manhã alva e cintilante precisava de um banho. E assim o fez, a água morna a acariciava das costas aos vãos dos dedos dos pés.

[interlúdio dialógico]

ato único

Roxelle olha para o céu, meio que procurando quem foi que jogou a pedra.

Já estava puta da vida. E sempre que assim ocorria ficava com uma voz deliciosa.

Esbravejou.

Caralho! Esse narrador só me escreve merda! pensa que é quem? Nem pra procurar novas expressões presta, só repetindo, repetindo... argh! E eu não entendo como você pode ter chegado até aqui, oh paciente leitor... nunca se cansa de ler tolices pretensiosas? Bem... tenho fé que um dia serei deixada de lado...

[interlúdio do recomeço]

Eventualmente Roxelle se dissolvia. Virava um televisor cujo canal era incessantemente trocado. Convertia-se em uma personagem maria-mijona da novela das seis, ignorando as teorias da conspiração e transformando-se num existencialismo puro. Era linda. E teria de voltar para sua cidade. Não que ela fosse bem recebida nessa. O retorno é o que a dissolvia.

Sentia saudade da nina e da pepita. Possuía uma casa espaçosa e bem mobiliada ao estilo colonial. A suspendera juntamente com o pacote do desenrolar de sua vida. E agora resolvera voltar. Alegrava-se em partes por ter estabelecido vínculos maleáveis e era toda coração.

Estava religiosamente cumprindo aviso-prévio no escritório, era uma compulsão de bons dias e bolos de glacê, cafezinhos com sorrisos e paezinhos salpicados de açúcar.

Faltava três dias para o fim do aviso e boa parte de seus pertences já estavam empacotados. Naquela tarde, durante o intervalo para o café foi celebrado entre os funcionários o aniversário de sua amiga Fátima.

Num prenúncio de despedida, e declaração de afeto, os oitenta e cinco quilos de carne rosada de Fátima ergueram Roxelle, assim com um tornado ergue o ar quente. Naquele pesado bolero da pedagogia da libertação, programa eli correa, Fátima dava leves giros com Roxelle em seus braços, enquanto afundava seu rosto nos cachos desta.

No fim da tarde Fátima despediu-se de Roxelle pela última vez, dando um sutil beijo que lhe alcançou apenas metade da boca.

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