quinta-feira, 9 de setembro de 2010

[interlúdio das estrelas do norte]

Todos os dias nascem milhares de pessoas predestinadas a não serem unanimidade. Eram muitos irmãos e as condições financeiras tão ruins que o querer era um luxo. Mas a Vó Dila andava com o coração generoso nos últimos tempos.

O pequeno Zelito fantasiava. Maremotos de guloseimas, rios de leite e estrelas cadentes de balas de coco. Na verdade não entendia na realidade o que significavam aniversários, ou o que significavam os anos. Contudo isso passou a importar de repente. Era seu aniversário.

Zelito corria no giral, pulava a cancela, perseguia os cães. E tropeçava nos olhos opressores do Tio-avô. Velhaco. Contornou a bengala do velho e entrou na casa aos pulos.

Olhinhos curiosos apoiados na mesa. O dia mal nascia e as promessas já se mostravam mais grandiosas que qualquer outra já cogitada.

– Que isso Vóinha?
– É furunfuzá...
– E é de quem?
– É pra tu mininu... Tu num da fazendo ano?!

Caiu um trovão, o coração de Zelito se arrebatou do sentimento mais profundo e cintilante que somente Deus poderia propiciar a um de seus filhos. Não se agradece por prazer. Zelito saiu em disparada, como que para dar uma volta olímpica em torno do mundo e compartilhar sua alegria de um modo frenético e fraterno. Correu pelo quintal e deu várias voltas em torno da casa, pulou com os cães e deu soquinhos no ar. Enfim, chegou ao ponto final de seu itinerário, isto é, voltou a sutilmente pousar os olhos sobre a mesa na qual a Avó amassava o mimo.

Sua alegria anulava as mazelas do mundo.

Se Zelito suspeitasse provavelmente ele seria outro. A presença do velhaco. Zelito nutria por ele uma espécie de compaixão desgostosa e insossa. E o velho apenas teimava em respirar. Dia após dia.

Do furufunzá começavam a surgir os cheiros e cores, o amarelo da gema, açúcar cristal, cheiro de canela.

O velho espreitando sem na verdade querer estar ali.

Mediante alguns fatos as pessoas se resignam. Sentado num toco de arvore o velho embolava um cigarro de palha. Uma perícia trêmula. Fumou. Deleitou-se com cada cheiro, textura, baforada, até a cerimônia do arremesso da bituca. Deitado na rede, o coração do velho também decidiu que era hora de descansar.

Cortejo e carpideiras. Só elas têm certos direitos. Os olhinhos de Zelito esbugalhavam maravilhados com a magia da vida e da morte, dos ritos, da essência marrom das coisas.

Permaneceu calado e boquiaberto. Enquanto os parentes bebiam o defunto saboreavam os furufunzá.

Zelito passava a entender que a dor, tanto quanto o prazer, o fazia gozar a vida.

Um comentário:

Danieli Casimani disse...

Finalmente uma luz... ehehehehhe!
Este texto se diferencia dos outros no tocante à ausência da desesperança, profunda angústia e corrosão.
O velho morre, o garoto triunfa em seu simples cotidiano. É uma imagem singela... Nova fase... Este garoto nos diz a tempo que nem tudo é uma fatalidade, ainda existem motivos para dar "soquinhos no ar".

Muito bem.